domingo, 7 de setembro de 2014

Beatificação de D. Álvaro del Portillo


 
 
Já em Julho do ano passado eu falava sobre as atrocidades que estavam a ser cometidas na Síria pelos extremistas islâmicos e, agora, o mundo e a ONU assistem atónitos, mas impávidos e serenos, a novas aberrações que têm por base a violação grosseira do princípio da liberdade religiosa.

Mas, se pensarmos um pouco, vemos que já no século XX estas situações ocorreram não só na ex-Jugoslávia e nas 2 grandes guerrras mundiais, mas bem perto de nós, mesmo aqui ao lado em Espanha, com a sua guerra civil fratricida.

E foi nesse contexto que viveu o jovem Álvaro del Portillo, um estudante que, no meio de tanto ódio e da miséria humana e material que se vivia em Espanha nos anos 30 optou pelo apoio aos mais necessitados, sem deixar de lado o seu curso de Engenharia Civil, rodoviária e de caminhos.

No meio deste terror, Álvaro integrou-se nas Conferências de S.Vicente de Paulo, em conjunto com outros jovens, onde atendia famílias pobres que viviam em barracas nos subúrbios de Madrid, levando alimentos, remédios e dando catequese. Álvaro tinha essa sensibilidade social que nos nossos dias as pessoas parecem ter perdido em absoluto. Um dos seus companheiros vicentino recorda-o, levando ao colo pelas ruas de Madrid uma criança que encontrou e que tinha ficado abandonada devido à guerra. Não descansou enquanto não conseguiu entregar a criança ao cuidado de uma Casa de Religiosas que o acolheu.

Álvaro sabia também que, por vezes, mais gráve do que a pobreza material, é a falta de formação humana e, por isso, não temeu em dar catequese apesar do ambiente anti-clerical da época. Um dia, ele e outros catequistas sofreram uma emboscada por um grupo, tendo levado uma forte pancada na cabeça com uma chave inglesa de grandes dimensões. Por sorte, conseguiu fugir para uma carruagem que, por essa altura, passava e cuja porta se estava a fechar. Porém, o atendimento médico que lhe deram foi deficiente e a ferida na cabeça manteve-se infectada por algum tempo e, ao longo da vida, continuou a sentir fortes dores de cabeça devido a esse triste episódio.

Também devido às suas atividades sociais de cariz católico acabou por ser preso e o guarda, várias vezes, lhe apontava a arma à cabeça dizendo que, por ter óculos, devia certamente ser padre e, por isso, o iria matar já ali. Numa outra ocasião, devido a uma reação que desagradou um dos milicianos assistiu à execução sumária, à queima-roupa, de um dos seus companheiros de cárcere.

Após a guerra civil, ordenou-se sacerdote e, em conjunto com S.José Maria Escrivá dedicou-se, até ao fim da vida, a promover a ideia nova do viver a vocação cristã no meio dos afazeres e minudências do quotidiano, ajudando a fundar vários centros de formação social, desportiva e educativa pelo mundo fora. Também contribuíu para o espírito novo do Concilio Vaticano II, tendo nele participado como consultor. Entusiasmado com o significado da palavra swahili “harambee” que significa o grito dos pescadores quando, todos juntos, puxam as redes para a praia, inspirou a criação da associação “Harambee” de apoio a projetos sociais e educativos em África.

Nos inícios dos anos 90 tive a sorte de o conhecer pessoalmente e chamou-me a atenção a sua bondade e mansidão (à semelhança do nosso saudoso Padre Júlio Tropa), o seu sorriso permanente e autêntico e também o facto de estar sempre a falar do “Amor de Deus”, algo cujo conhecimento e sentido nem sempre está ao nosso alcance.

No noite após o regresso de uma peregrinação à Terra Santa veio a falecer, tendo o próprio  Papa S.João Paulo II se deslocado pessoalmente para rezar ante os seus restos mortais. No próximo dia 27 de Setembro de 2014, será exaltado em Madrid como modelo de virtudes e santidade.

No meio deste horror que nos entra pela casa (Ébola, Ucrânia, Gaza, Síria e Iraque) aqui fica um exemplo do que a raça humana também é capaz de fazer de melhor.

 Artigo de Setembro do "Notícias de S.Brás"

Miguel Reis Cunha

 

 

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